Ao longe era possível ouvir o som do piano. Um som triste. Quase um lamento. Ninguém conhecia o pianista. Isso não importava. Na verdade, nada nunca importa. E da mesma maneira que chegaram os tristes acordes do piano, ouvia-se agora, a melodia de um metal soproso. O som de duas almas se encontrando. O triste ritmo trazia histórias nos rostos daqueles que observava na avenida. E trouxe também, a história do Sid. Meu pai.
Ele acordava sozinho, todos os dias. Levantava com bom humor e sem nenhum objetivo. Com dificuldade, apoiava suas fracas mãos e vagarosamente rolava para o final da cama. Apoiava um pé no chão e tremendo, o colocava dentro do sapato de borracha, presente sugerido de sua filha. Tateava, com uma tranquilidade que só os idosos conheciam, o colchão a procura de seus óculos. Não conseguia ler sem eles. Na verdade, mal conseguia ler com eles. Aos poucos, levantava-se. Nessas manhãs todas que acordava sozinho, possuia uma felicidade incomum, mesmo que não houvesse alguém para dizer bom dia. São compassos dos homens de 42.
A verdade é que não consigo contar essa história ainda. E nem quero contá-la tão cedo. Um dia, eu sei, terei que contar. Se não eu, ninguém falará. E eu jamais permitiria que essa história não fosse contada. Ainda é cedo. E eu fico grata, por ser cedo.
Os rostos daqueles que caminhavam na avenida, nunca olhavam pra mim. E eu gostava disso. Era como se fosse atemporal. Até meu ritmo ficava mais lento, para acompanhar os leves acordes que narravam minha trajetória. Eu agora, fazia parte de uma poesia e ninguém mais sabia.