domingo, 29 de agosto de 2010

Era ela

Um lugar onde o céu encontra o infinito. Areias brancas, recheadas de passos cor de borboleta. No cair da tarde o horizonte de paisagens nunca vistas. Terreno de ninguém.

- Quando vi, soube que podia respirar o ar do mundo todo. Senti o tempo parar. Pensei em tudo que já vivi, mas não nunca havia conseguido encontrar. A paz dentro e fora de mim. Por alguns segundos respirei fundo, tentando preencher meus medos pela atmosfera deste lugar. Pisei no chão tão profundamente que parecia espancar o solo com a raíz de minh'alma. Senti o vento me beijar.

Então desistiu, contorcendo-se harmoniosamente. Primeiro o tronco tomou a frente, seus braços e cabeça penduraram. O quadril deslizou para lateral enquanto seus joelhos cediam ao peso. Sentou-se no chão, permitindo que seu tronco tocasse o solo gélido e aquático. Esticou as pernas e respirou.

Agora fazia parte do infinito.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

CRÔNICAS DO PASSADO E PRESENTE - diários de um professor

Por Fábio de Amorim (poeta, contista, jornalista e professor de português)

O professor levanta cedo, sai de casa com o café da manhã sendo digerido rapidamente. Caminha dez minutos a pé até um ponto de ônibus. Espera cinco minutos apenas, afinal, um país está saindo de casa naquela hora. O professor consegue entrar no ônibus.
Agradece numa breve oração o fato de ser bem magro e poder caber, com pouco desconforto, entre duas senhoras obesas, o ferro do banco do ônibus e as alças de apoio, que lhe batiam no rosto. Todo apoio é necessário para aquele momento em que o motorista resolve frear bruscamente e você cai.

Você e todas as outras "peças" de dominó chamadas de pessoas. A viagem poderia ser mais agradável se o ano todo não chovesse, não fizesse frio, não fizesse calor de deserto. Porque em uma qualquer dessas situações, as janelas são fechadas (respire-se num ambiente desses!), ou são abertas, mas aí são fechadas de novo porque chove.
Mas faz calor, então ficamos de janelas fechadas, no calor, porque está chovendo, e a água entra no ônibus porque nenhum gênio da arquitetura automotiva pensou num jeito de evitar que se precise fechar janelas quando chove. Será que é tão difícil inventar um guarda-chuva de ônibus? O professor, vinte ou trinta minutos, depois chega a uma estação de metrô.

Desce do ônibus, entra na estação, pega o metrô. Faz três baldeações e em trinta e dois minutos chega ao seu destino. Ou melhor, quase. Caminha mais dez minutos no meio do barulho de sempre, dos mendigos de sempre, das crianças de rua de sempre, atravessa uma avenida e finalmente chega a escola onda dará suas aulas.

Como sempre, chegou na hora certa. Hora de cumprimentar os colegas, tomar um café mal feito, pegar giz, vestir avental e subir para a sala. Missão daquele dia: convencer 40 alunos a ler e a ter prazer lendo Machado de Assis. Antes de explicar as virtudes do "Conto de Escola", de Machado de Assis, um aluno já levanta a mão e pergunta: - O que vai ter na merenda hoje, professor?

Uma aluna aproveita a deixa e pergunta se pode ir ao banheiro. Outros três querem ir também. O professor já havia perdido dez minutos da aula anotando coisas no diário de classe e fazendo a chamada dos alunos. Perdeu mais cinco com as perguntas. Agora faltam vinte e cinco para o fim da aula. O professor suspira. O dia está só no começo.

_

Mais dele em: http://fabioamorim.zip.net/

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Acorde

Há tempos quero despejar consoantes ainda que fossem na contramão da gravidade. Meus sentimentos flutuam rumo ao céu o tempo todo. E a solidão é cada vez mais sofrida, mais intima de mim.

Não que seja inédito, pois o passado arrisca-se em meus braços insistentemente, mas a mudança as vezes impulsiona loucuras e incoerências. Não fazemos ideia de quem somos, o que fomos e o que faremos com o tudo que nos cerca.

Está tudo fora de tom. O que é certo e o que é acertar? Descobrir quem está com você é tão insignificante, é mais compreensível entender com quem você está. Quem nunca desejou fugir? Quem nunca foi excessivamente massacrado por sentimentos livres de ser, estar e acontecer?

O que somos senão holografia de nós...

Queria ser mais. Queria ser eu, queria ser você e todos que nos observam. E aqueles que não nos veem também. Queria sê-los e bebê-los. Ser o tempo, as nuvens, o céu e o vento. Queria ser o beijo que ele recebeu, o afago, o carinho e o tesão.

Amem.