quinta-feira, 12 de agosto de 2010

CRÔNICAS DO PASSADO E PRESENTE - diários de um professor

Por Fábio de Amorim (poeta, contista, jornalista e professor de português)

O professor levanta cedo, sai de casa com o café da manhã sendo digerido rapidamente. Caminha dez minutos a pé até um ponto de ônibus. Espera cinco minutos apenas, afinal, um país está saindo de casa naquela hora. O professor consegue entrar no ônibus.
Agradece numa breve oração o fato de ser bem magro e poder caber, com pouco desconforto, entre duas senhoras obesas, o ferro do banco do ônibus e as alças de apoio, que lhe batiam no rosto. Todo apoio é necessário para aquele momento em que o motorista resolve frear bruscamente e você cai.

Você e todas as outras "peças" de dominó chamadas de pessoas. A viagem poderia ser mais agradável se o ano todo não chovesse, não fizesse frio, não fizesse calor de deserto. Porque em uma qualquer dessas situações, as janelas são fechadas (respire-se num ambiente desses!), ou são abertas, mas aí são fechadas de novo porque chove.
Mas faz calor, então ficamos de janelas fechadas, no calor, porque está chovendo, e a água entra no ônibus porque nenhum gênio da arquitetura automotiva pensou num jeito de evitar que se precise fechar janelas quando chove. Será que é tão difícil inventar um guarda-chuva de ônibus? O professor, vinte ou trinta minutos, depois chega a uma estação de metrô.

Desce do ônibus, entra na estação, pega o metrô. Faz três baldeações e em trinta e dois minutos chega ao seu destino. Ou melhor, quase. Caminha mais dez minutos no meio do barulho de sempre, dos mendigos de sempre, das crianças de rua de sempre, atravessa uma avenida e finalmente chega a escola onda dará suas aulas.

Como sempre, chegou na hora certa. Hora de cumprimentar os colegas, tomar um café mal feito, pegar giz, vestir avental e subir para a sala. Missão daquele dia: convencer 40 alunos a ler e a ter prazer lendo Machado de Assis. Antes de explicar as virtudes do "Conto de Escola", de Machado de Assis, um aluno já levanta a mão e pergunta: - O que vai ter na merenda hoje, professor?

Uma aluna aproveita a deixa e pergunta se pode ir ao banheiro. Outros três querem ir também. O professor já havia perdido dez minutos da aula anotando coisas no diário de classe e fazendo a chamada dos alunos. Perdeu mais cinco com as perguntas. Agora faltam vinte e cinco para o fim da aula. O professor suspira. O dia está só no começo.

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